A Galeria Karla Osorio apresenta a exposição ‘Blue’’, individual do artista Matheus M. Abu.

Sobre a exposição

“Elementos do cotidiano de Matheus Abu que despertam a memória dos
trânsitos feitos no oceano atlântico nos primeiros momentos da
colonização no Brasil.

O artista enxerga esses objetos como uma extensão do seu corpo e os
coloca como protagonistas de suas obras, dando a oportunidade para o
elemento narra sua história, se conectando com seu passado e gerando
novas possibilidades de interpretação para o futuro. Alterando e realocando
suas imagens, Abu elabora uma narrativa afetuosa e nostálgica. Suas
pinturas interferem na relação da imensidão entre corpo e mar,
despertando sensações que nos possibilitam criar uma conexão atemporal
com o que preenche o espaço ao nosso redor”.

Daniel Tostes

Presença

Sankofa guarda um significado que ultrapassa a palavra e encontra a imagem. Forma, junto com
mais de oitenta outros símbolos da cultura Akan, um conjunto ideográfico artístico conhecido por
Adinkras. Sankofa é um comunicante e as duas formas em que mais comumente é representada,
seja o pássaro que se volta para trás ou o formato que lembra um coração, incorporam, preservam
e transmitem estética e significativamente histórias, tradições, valores e normas socioculturais do
povo ganês.

Sankofa pode ser traduzido por “Nunca é tarde para voltar e apanhar aquilo que ficou para trás.
Sempre podemos retificar nossos erros, aprendendo com o passado para construir o presente e o
futuro”. Significa que, para pensar e construir o futuro semeado no presente, o retorno, valorização
e o reconhecimento das raízes se fazem necessários. Com raízes fortes e cultivadas, um povo,
uma cultura e memórias crescem, se espalham e protegem seus portadores.

A pintura funciona como um sistema organizador da visualidade através das formas de
representação, dos modos de lidar com a matéria, compor imagens, e reafirmando ou criando
regimes de visibilidade. A pesquisa de Matheus Abu parte das inquietações do jovem artista, de sua
percepção de si, dos afetos e do mundo que o cerca, mas encontra corpo, raízes e memória em um
passado que compartilha através do tempo. Os tons de verde, branco e azuis tão profundos nos
convidam a mergulhar. As transparências das janelas encontradas e usadas pelo artista como
suporte criam jogos de luz e sobra, expandindo a pintura que extrapola, assim, limites de tempo e
espaço.

Na Sabedoria de aprender com o passado para construir o futuro (2022), Matheus encontra
Sankofa como um elemento de impregnação, reconhece sua presença ao observar e fotografar
cenas cotidianas. Aves que compõem a vista de sua janela, os gradis que omam e guardam as
Casas e que ganham um sentido também espiritual quando junto às Espadas de São Jorge e outras
plantas. Sabemos que as plantas, ao silenciosamente crescerem e distribuírem suas raízes pelo
solo, constituem também um importante elemento de impregnação: saber manuseá-las, entender
seus significados e poderes pode nos aproximar do passado que não se ausenta, ainda que
existam forças que busquem seu apagamento.

Ao reconhecer a presença desses elementos, Matheus fabula estratégias de vida através de
camadas de pintura: o descanso e o autocuidado na Varanda (2022), o estudo como ferramenta de
justiça em Síntese (2022) e o desabamento de estruturas de violência e privação como em Os
palácios vão desabar (2022). Celebra, em Owo foro adobe (2022), a engenhosidade e execução de
uma façanha extraordinária daqueles que não só resistiram: viveram e permaneceram.

O artista, tranquilamente e com propriedade de sua prática e intelectualidade, reconhece em si, e
em seu processo, um caminho para Sankofa. Se wo were fi wo sankofa a yen ki.

Lorraine Mendes

Sobre o artista

Artista autodidata, desenvolve pesquisa independente sobre ancestralidade, espiritualidade e a diáspora africana no Brasil, colocando em perspectiva a história colonial e suas reverberações no cotidiano de pessoas racializadas. Iniciou seu trabalho com a linguagem do pixo (pichação), tendo forte influência da cena do rap carioca, colaborou com as capas para um dos importantes eps do rapper BK’, Antes dos Gigantes Chegarem vol. 1 e 2. Também fez assistência para grandes artistas como Panmela Castro, na exposição “Rua!” no Museu de Arte do Rio (MAR) e para Tomaz Viana, Toz na mostra Cultura Insônia no espaço Caixa Cultural. A pintura surge durante a pandemia e numa viagem a Salvador descobriu um outro conjunto de símbolos, os “adinkra”. Trazidos ao Brasil pelos escravizados, esses ideogramas eram esculpidos sobretudo em portões e janelas do Brasil imperial por ferreiros negros escraviza- dos, compondo uma forma sofisticada de comunicação e resistência à subalternidade. Resgatar essa linguagem através de suas obras é a um só tempo desafiar regimes de visibilidade dominantes e o cânone da história (inclusive da história da arte) eurocêntrica, trazendo à tona uma história alternativa invisível aos olhos da mente colonial.

Em 2021, participou de residência artística e teve individual na Galeria Karla Osorio, em Brasília. Realizou da residência artistica em Milão, seguida de exposição individual “Profecia” (outubro 2022- fevereiro 2023). Realizou residência na Áustria – A.I.R Krems (janeiro 2023), e na Suiça – One Gee in Fog, Genebra (maio-junho 2023). Tem várias exposições institucionais agendadas para 2023-2024 no Brasil e no Exterior. Teve obras apresentadas em inúmeras feiras no Brasil (ArPa, ARTSAMPA, SPArte e ARTRio). Suas obras estão em coleções de museus como Museu de Arte do Rio – MAR e Museu Nacional de Belas Artes – MNBA, ambos no Rio de Janeiro.