Em 2015, a bióloga e teórica feminista Donna Haraway declarou: “Nenhuma espécie, nem mesmo a nossa própria – essa espécie arrogante que finge ser constituída de bons indivíduos nos chamados roteiros Ocidentais modernos – age sozinha”. Quase dez anos se passaram e ainda seu texto nos parece tão atual, dada a consciência que explicita sobre o fazer conjunto que rege as relações humanas e não-humanas na Terra.

Haraway defende, grosso modo, que devemos estabelecer relações de parentesco entre seres de diferentes espécies, criando assim redes de cooperação que conectam humanos, plantas, animais, fungos, bactérias etc. Seres possuem formas de transformação do Planeta que podem ser compartilhadas, apreendidas e trocadas.

Nesse aspecto, podemos pensar que a tecnologia humana – nosso conjunto de técnicas, habilidades, métodos e processos empregados na transformação da realidade – pode ser combinada aos modos de fazer de outros indivíduos, num esforço colaborativo que vise benefícios para todos. Essa iniciativa, comum entre diversos seres, poderia ser mais bem compreendida por nós, se nos distanciássemos da ideia predatória de domínio total de nossos “parentes”.

Nesta exposição, JP Accacio endereça as colaborações – ou a ausência delas – entre humanos e plantas, construindo assim um cenário distópico para os primeiros diante do potencial renovador de sobrevivência dos segundos. Assim, carcaças de computadores e equipamentos eletrônicos são incorporados por plantas, numa “tomada” da natureza sobre a realidade.

O ciclo obsolescente desses aparatos é responsável por sua própria decadência; portanto, as plantas apenas se apossam daquilo que está, por princípio, abandonado e inerte. Nesse encontro entre seres, vislumbramos momentos poéticos nos quais o termo “vegetativo”, usado comumente para designar aquilo que não tem consciência de si, é virado do avesso, indicando a inteligência que parece existir na existência consistente, ainda que imóvel, das plantas.

Entre jardins-cemitérios e colunas, o artista articula sua visão florestametamorfose com fotos, esculturas, objetos e site-specifics arranjados com plantas e carcaças eletrônicas que, juntas, tomam o cubo branco silenciosamente, emulando o modo obstinado de permanecer de nossos parentes verdes. Nessa invasão, o artista é meio gente, meio planta – o ANIMALVEGETAL – aprendendo, apreendendo e repetindo os procedimentos de seus “semelhantes”.

Ana Avelar