A Galeria Karla Osorio apresenta a exposição ‘’Um Sonho Intenso’’, primeira individual do artista sul-mato-
grossense Evandro Prado na capital.
Inauguração dia 24 de junho e em cartaz até 20 de agosto de 2023.

Sobre a exposição

A exposição reúne 23 obras em técnicas como pintura, desenho e esculturas com a temática da arquitetura de
Brasília. Segundo o crítico Henrique Menezes, “o artista mostra a alma de Brasília com suas belas formas esvaziadas do sonho da sua concepção, recortadas sob um céu denso, pesado, consistente como uma lona de circo. Ali onde se desempenha o papel da democracia não há mais povo, nem nação. A democracia é só uma palavra, mas os invólucros dos poderes corrompidos, rotos, remendados permanecem altivos como se estivessem vestidos de gala para a grande festa liberal.
Evandro Prado, que nas últimas duas décadas vem explorando a confluência da política e da arquitetura, ambas escrutinadas a partir do embate entre construção e derrocada. Com sensibilidade, acuidade e sem esconder sua posição combativa, Evandro vem dedicando sua produção às mazelas de tudo que podemos rotular como patrimônio nacional, seja ele imaterial — na ordem das instituições do poder e da influência oculta da imprensa — ou assumindo a mais sólida concretude, consolidada em nossos edifícios épicos ou nos tantos monumentos que homenageiam vultos questionáveis”.
A exposição conta com 23 obras em técnicas como pintura, desenho e esculturas com a temática da arquitetura de Brasília.

Sobre o artista
Evandro Prado, artista nascido na região do Centro-Oeste do País, em Campo Grande (MS), trabalha e vive em São Paulo. Não por acaso, a aparição do planalto Central permeia sua produção artística e Brasília vem como uma alegoria para falar de um Brasil da hora atual. Misturando tempos, volta 60 anos atrás com imagens de construção, registra a presente polarização e ficciona uma plataforma a deriva. Imagens icônicas em desconstrução são recorrentes no trabalho de Evandro, tanto na pintura como em outras expressões – como objetos e instalações – mas tem na pintura sua maior expressão.

 

Evandro Prado | Um sonho intenso

Antever, no momento exato de sua gênese, a vocação e o declínio de qualquer criação humana é tarefa que demanda, na mesma medida, uma calorosa imaginação premonitória e um doloroso cálculo das possibilidades de seu fracasso: não há dúvidas de que todo inventor aposta nos louros e não no ostracismo. Considerando a inexistência da clarividência — ou sua incomprovada eficácia, para não confrontar os esotéricos —, toda novidade se mostra um chamado à projeção, à aposta e à elucubração: há pouco mais de um século, mínimas foram as questões sobre os efeitos sociais do modelo de Henry Ford para a produção industrial em massa; hoje, discutimos os reflexos universais da inteligência artificial e sua relação com a construção de metarrealidades para a humanidade.

 

Poucos são os que torcem pelas glórias do progresso — assumindo o otimismo depositado aos seus feitos individuais — com a mesma sinceridade que confessam suas expectativas de derrota. Oscar Niemeyer foi um deles. Refiro-me a duas pinturas a óleo sobre tela que nosso arquiteto-mor produziu enquanto morava em Paris: pouco conhecidas pelo público, as duas pequenas obras foram batizadas — sem nenhum sinal de ironia — como “Ruínas de Brasília”. Como o título antecipa, Niemeyer fantasiou um futuro distópico para seu projeto da capital nacional, retratando em pouco mais de setenta centímetros um cenário pós-apocalíptico onde restam apenas as colunas em forma de âncora: o teto desabou, o chão ruiu, alguns desses pilares já tombaram. Não é fortuito que Oscar tenha pintado as Ruínas em 1964, apenas quatro anos após a inauguração da cidade e pouco depois do golpe que aniquilou os rumos da nação: as notícias confirmavam que a utopia do progresso transpunha-se em escombros.  

 

Todos os elementos que perpassamos até agora servem de alicerce para adentrar ao trabalho de Evandro Prado, artista sul-mato-grossense que nas últimas duas décadas vem explorando a confluência da política e da arquitetura, ambas escrutinadas a partir do embate entre construção e derrocada. Com sensibilidade, acuidade e sem esconder sua posição combativa, Evandro vem dedicando sua produção às mazelas de tudo que podemos rotular como patrimônio nacional, seja ele imaterial — na ordem das instituições do poder e da influência oculta da imprensa — ou assumindo a mais sólida concretude, consolidada em nossos edifícios épicos ou nos tantos monumentos que homenageiam vultos questionáveis.

 

Uma grande pintura se impõe no espaço expositivo por sua aparente impossibilidade de existência: uma das inconfundíveis colunas do Palácio do Planalto paira isolada em um terreno ermo e inóspito, esvaziada de referentes humanos e escorada por precárias estratégias de sustentação: uma escada, exíguas cordas e frágeis estacas. Com ares que remetem à pintura metafísica no século XX — da qual Giorgio de Chirico e Carlo Carrà são seus expoentes —, a obra guarda mais veracidade que ficção: a cena retratada realmente existiu, remetendo a quando Niemeyer exigiu a construção de um protótipo em tamanho real que permitisse vislumbrar e confirmar a imponência esperada de seu projeto. Contrariando a gravidade, tal cenografia temporária foi erguida e posicionada no local exato de sua implantação, contando com a maestria de calculistas sensíveis e predispostos a conciliar a intenção do mestre com as limitações técnicas. Niemeyer entrou para a história ao fazer desaparecer o divórcio tácito entre arquitetura e construção: com justificado reconhecimento, são muitos os pensadores que atribuem a Joaquim Cardozo — poeta, ilustrador e engenheiro estrutural que assina os cálculos de Brasília — a coautoria dos célebres pilares.

 

Com frequência, na tentativa de descrever a obra de Evandro Prado, associa-se sua atuação à imagem de um pintor-arquiteto, enfatizando sua inquestionável afinidade aos traços que atribuem identidade ao horizonte urbano nacional. Proponho uma visada diferenciada, embora não excludente: o trabalho de Evandro guarda muito mais similitude com o labor de um engenheiro, posto que o artista não está interessado puramente nos estilos ornamentais ou em uma iconografia assentada no fachadismo. Sua obra é consubstanciada por um vocabulário austero, onde cálculo, edificação, alicerce, projeto e fundação são amalgamados em um campo semântico próximo às ciências exatas — sem abandonar as intenções plásticas pertinentes a uma posição estético-filosófica do arquiteto.

 

Evandro Prado é um iconoclasta que ora deixa transparecer sua aficionada — e paradoxal — devoção às formas, ora enaltece a falência das construções consumidas por um efeito (simbolicamente) corrosivo. A tragédia também é uma forma de êxtase: talvez seja por isso que toda a obra de Evandro presta reverências e condolências à memória que alicerça o imaginário de um Brasil.

Henrique Menezes